terça-feira, 8 de dezembro de 2009

A vindoura epidemia de febre maculosa

Antonio Jofre de VASCONCELOS

Há alguns anos, a febre maculosa, infecção pela bactéria Rickettsia rickettsii era uma doença de regiões silvestres e rurais. Não existia na área urbana. Porém, em 2003, dentro da cidade de Campinas, na Lagoa do Taquaral, surgiu um foco desta doença, causado pelas capivaras (Hydrochoerus hydrochoeris) e carrapatos estrela (Amblyomma cajennense). Foi o primeiro foco que surgiu dentro de Campinas. Eu, sendo médico e tendo residência e consultório no Bairro do Taquaral, comecei a estudar muito o problema. As capivaras foram retiradas do local e o foco desapareceu. Tinha surgido um novo tipo epidemiológico, a febre maculosa urbana, cujo estudo levou a quatro conclusões inéditas.

O carrapato é o hospedeiro, reservatório natural e transmissor da riquétsia. Ele tem tres estágios de vida: (l) larva, (2) ninfa e (3) adulto. Cada um se alimenta em um hospedeiro diferente e , depois, desce ao solo, onde troca de pele e se transforma no próximo estágio. A larva e a ninfa não se reproduzem. Só o estágio adulto se reproduz. Ao se reproduzir, o carrapato se multiplica aos milhares, porque cada fêmea grávida produz 5 mil filhotes. O carrapato pode se hospedar em milhares de espécies de mamíferos e aves. Porém existem dois tipos de hospedeiros: os primários (definitivos) e os secundários (intermediários). A larva e a ninfa podem se alojar em qualquer hospedeiro, mas o estágio adulto só parasita os primários.

Primeira conclusão: o carrapato só se reproduz sobre os hospedeiros primários (criadouros). Por isso, se estes forem retirados de algum lugar, os carrapatos desaparecem sózinhos, depois de algum tempo. Os primários são apenas tres espécies: antas, cavalos e capivaras. Todos os outros ão secundários. Na região de Campinas, não existem antas. (Tapirus terrestris). Na área urbana, os cavalos são raros e recebem alguns cuidados e tratamentos contra parasitas, tendo poucos carrapatos. Segunda conclusão: dentro da cidade a capivara é a única responsável pela reprodução dos carrapatos. Portanto, ela é a causa da febre maculosa urbana. Isto nos levou a propor o nome de "doença das capivaras" para esta patologia, na revista científica da Associação Paulista de Medicina, de julho de 2006. Algumas cidades querem retirar as capivaras para evitar a febre maculosa, mas o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) não permite, alegando que isso não vai resolver o problema, porque o carrapato tem outros hospedeiros. O Ibama está errado: ainda não sabe que, dentro da cidade, a capivara é o único criadouro de carrapatos.

Existem pessoas que dizem que a febre maculosa é facilmente curável. Isto seria correto, se o paciente chegasse ao hospital contando que frequentou uma área com esta doença e que foi mordido por carrapatos. O diagnóstico seria rápido e a doença seria curada por antibióticos: cloranfenicol, tetraciclinas e doxiciclina. Porém, isto quase nunca acontece. Geralmente o paciente se queixa só de sintomas inespecíficos: febre, mal estar e dor de cabeça. O médico fica com as hipóteses diagnósticas de gripe, amigdalite, pneumonia, leptospirose, dengue e febre maculosa. Só cinco dias depois, surgem as máculas (manchas vermelhas) no tornozelos e no punho. Aí se faz o diagnóstico de febre maculosa e se inicia a antibioticoterapia, mas já é tarde: a doença está avançada, o paciente já está muito grave. Por isso, morrem 70% dos doentes.

Hoje, o número de capivaras está aumentando nas cidades. Alguns pensam que é por causa do corte de árvores da mata ciliar, mas não é. Geralmente os animais fogem do desmatamento, mas a capivara é uma exceção. No local em que se cortam as árvores, desaparecem as sombras e os raios solares atingem diretamente o solo. Isto faz crescer mais o capim, que é o alimento preferido das capivaras. Aliás, a palavra capivara, em tupi-guarani, significa "comedor de capim". Por issto, a capivara gosta mais de lugares sem árvores. A verdadeira causa é a seguinte: há alguns anos a capivara era muito caçada pelo homem. Muitas pessoas apreciavam sua carne, semelhante à de porco. Aliás, o nome científico da capivara, hydrochoerus, em grego, significa porco d' água. Em 1988, a nova Constituição Federal do Brasil proibiu a caça de capivaras. Depois disso, o número delas começou a aumentar em toda parte.

Este animal é um roedor, como o coelho, e se reproduz muito. Uma fêmea pode ter até 8 filhotes, em um ano. Sua população está crescendo em progressão geométrica e pode se multiplicar por 5, a cada ano. Como se sabe, o número de carrapatos de um local varia, exponencialmente, em relação aos número de capivaras. Se elas se multiplicam por 5, os carrapatos se multiplicarão por 25. Nesta situação, as riquétsias, que já estão presentes em 24 cidades da região, aumentarão muito. Terceira conclusão: matemáticamente podemos prever uma epidemia de febre maculosa urbana em Campinas, e em outras cidades da região, mais cedo ou mais tarde. Quarta conclusão: para evitar esta vindoura epidemia é preciso retirar as capivaras de dentro das cidades.

Antonio Jofre de Vasconcelos é médico

(Artigo publicado na página A 3 do jornal "Correio Popular" de Campinas no dia 25/09/07.)

Saiba mais, procurando "doença das capivaras" e "febre maculosa urbana" na internet.

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