quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

O médico do inferno




O médico do inferno

Poesia (versos brancos)


Quando morrer, eu não quero ir para o céu.
Lá, deve ser muito chato. Anjinhos e mais
anjinhos, tocando harpas e louvando a Deus.
Eternamente, sem mais nada para fazer.
Quero ir para o inferno. Lá, terei movimento.
Vou trabalhar. Assim que chegar, eu vou
montar uma clínica de queimados. Vou passar
pomadas e fazer curativos em todas as
queimaduras. Vou trabalhar para amenizar as
dores e aliviar o sofrimento. O diabo não vai
gostar, é claro. Ele vai me dar uma surra,
todos os dias. Eu não vou estranhar, nem
me importar muito. Já estou acostumado a
apanhar dele. Vejo-o, sempre, por trás das
doenças incuráveis, da fome, da pobreza
e das injustiças. Vou continuar, sempre,
ajudando as almas que estão sofrendo.
E, assim, eu quero ser médico, eternamente.

Antonio Jofre de Vasconcelos, médico.
30/12/09

sábado, 19 de dezembro de 2009

Mitológica trindade da Unicamp

Por Antonio Jofre de Vasconcelos (IV)
Jornalista de "O Patológico" em 1967/68




Fui aluno da quarta turma da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Campinas ("Unicamp") desde 1966 até 1971. Convivemos com os tres maiores heróis da Unicamp. Hoje, falecidos, estes nossos heróis pode ser considerados verdadeiros mitos. O terceiro maior herói mito da Unicamp foi o prof. Zeferino Vaz, médico parasitologista, o melhor reitor da universidade, que, em 1965, recebeu uma pequena faculdade, agigantou-a e a transformou na imensa Unicamp de hoje. A nossa cidade universitária foi batizada de "Zeferino Vaz", numa justa homenagem. Seu nome ficou imortalizado. Porém, os dois outros lendários heróis estão sendo esquecidos.

O segundo maior herói mito da Unicamp, o professor de histologia Walter August Hadler, médico dermatologista, foi o primeiro membro (professor contratado) da universidade, em 1963. A Faculdade de Medicina era muito pobre e ele precisou improvisar estufas para o seu laboratório, com caixotes de sabão. À noite, os professores de histologia roubavam gatos, para fazer lâminas de microscópio, para os alunos estudarem. Além de grande professor, ele era um pai para os alunos. Ele foi fiador dos contratos de aluguel de todas as repúblicas de estudantes, da faculdade, desde 1963 até 1968, totalizando uma centena de imóveis. Seria um ato de justiça batizar o Instituto de Biologia atual, de "Walter August Hadler".

O maior herói mito da Unicamp foi o prof. Antonio Augusto de Almeida. Ele era um antigo e famoso médico oftalmologista e cirurgião ocular do Instituto Penido Burnier, de Campinas e foi um dos membros mais atuantes da comissão cívica, organizada na cidade, que conseguiu a criação da Faculdade de Medicina, em 1963. Posteriormente, ele foi nomeado o primeiro Diretor da Faculdade. Muito honesto, correto, sincero e modesto, ele não era um político flexível, comunicador e propagandista ("marketeiro"), como o Zeferino. Seu nome acabou sendo ofuscado pela grande obra realizada, posteriormente, pelo Zeferino. Tanto que, hoje, há quem diga que o Zeferino foi o fundador da Unicamp. Não foi. O fundador foi o Almeida, que saiu de Campinas e viajou até a cidade de Ribeirão Preto, em 1963, para buscar o Hadler. E, em 1965, o Almeida e o Hadler viajaram até a cidade de São Paulo, para trazer o Zeferino, para ser o nosso terceiro Reitor. Se não fosse o Almeida, o Hadler e o Zeferino nem teriam vindo para a Unicamp. Por isso, seria um ato de justiça para a História, batizar o prédio principal da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, de hoje, de "Antonio Augusto de Almeida".




Este artigo foi publicado na internet, pelo site de comemoração dos 40 anos da Faculdade de Medicina da Unicamp, em 2003, como "Depoimento" dos alunos.
Foi também publicado pelo jornal "O Patológico", do alunos da Faculdade de Medicina da Unicamp, em janeiro de 2004, na página 12.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

A vindoura epidemia de febre maculosa

Antonio Jofre de VASCONCELOS

Há alguns anos, a febre maculosa, infecção pela bactéria Rickettsia rickettsii era uma doença de regiões silvestres e rurais. Não existia na área urbana. Porém, em 2003, dentro da cidade de Campinas, na Lagoa do Taquaral, surgiu um foco desta doença, causado pelas capivaras (Hydrochoerus hydrochoeris) e carrapatos estrela (Amblyomma cajennense). Foi o primeiro foco que surgiu dentro de Campinas. Eu, sendo médico e tendo residência e consultório no Bairro do Taquaral, comecei a estudar muito o problema. As capivaras foram retiradas do local e o foco desapareceu. Tinha surgido um novo tipo epidemiológico, a febre maculosa urbana, cujo estudo levou a quatro conclusões inéditas.

O carrapato é o hospedeiro, reservatório natural e transmissor da riquétsia. Ele tem tres estágios de vida: (l) larva, (2) ninfa e (3) adulto. Cada um se alimenta em um hospedeiro diferente e , depois, desce ao solo, onde troca de pele e se transforma no próximo estágio. A larva e a ninfa não se reproduzem. Só o estágio adulto se reproduz. Ao se reproduzir, o carrapato se multiplica aos milhares, porque cada fêmea grávida produz 5 mil filhotes. O carrapato pode se hospedar em milhares de espécies de mamíferos e aves. Porém existem dois tipos de hospedeiros: os primários (definitivos) e os secundários (intermediários). A larva e a ninfa podem se alojar em qualquer hospedeiro, mas o estágio adulto só parasita os primários.

Primeira conclusão: o carrapato só se reproduz sobre os hospedeiros primários (criadouros). Por isso, se estes forem retirados de algum lugar, os carrapatos desaparecem sózinhos, depois de algum tempo. Os primários são apenas tres espécies: antas, cavalos e capivaras. Todos os outros ão secundários. Na região de Campinas, não existem antas. (Tapirus terrestris). Na área urbana, os cavalos são raros e recebem alguns cuidados e tratamentos contra parasitas, tendo poucos carrapatos. Segunda conclusão: dentro da cidade a capivara é a única responsável pela reprodução dos carrapatos. Portanto, ela é a causa da febre maculosa urbana. Isto nos levou a propor o nome de "doença das capivaras" para esta patologia, na revista científica da Associação Paulista de Medicina, de julho de 2006. Algumas cidades querem retirar as capivaras para evitar a febre maculosa, mas o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) não permite, alegando que isso não vai resolver o problema, porque o carrapato tem outros hospedeiros. O Ibama está errado: ainda não sabe que, dentro da cidade, a capivara é o único criadouro de carrapatos.

Existem pessoas que dizem que a febre maculosa é facilmente curável. Isto seria correto, se o paciente chegasse ao hospital contando que frequentou uma área com esta doença e que foi mordido por carrapatos. O diagnóstico seria rápido e a doença seria curada por antibióticos: cloranfenicol, tetraciclinas e doxiciclina. Porém, isto quase nunca acontece. Geralmente o paciente se queixa só de sintomas inespecíficos: febre, mal estar e dor de cabeça. O médico fica com as hipóteses diagnósticas de gripe, amigdalite, pneumonia, leptospirose, dengue e febre maculosa. Só cinco dias depois, surgem as máculas (manchas vermelhas) no tornozelos e no punho. Aí se faz o diagnóstico de febre maculosa e se inicia a antibioticoterapia, mas já é tarde: a doença está avançada, o paciente já está muito grave. Por isso, morrem 70% dos doentes.

Hoje, o número de capivaras está aumentando nas cidades. Alguns pensam que é por causa do corte de árvores da mata ciliar, mas não é. Geralmente os animais fogem do desmatamento, mas a capivara é uma exceção. No local em que se cortam as árvores, desaparecem as sombras e os raios solares atingem diretamente o solo. Isto faz crescer mais o capim, que é o alimento preferido das capivaras. Aliás, a palavra capivara, em tupi-guarani, significa "comedor de capim". Por issto, a capivara gosta mais de lugares sem árvores. A verdadeira causa é a seguinte: há alguns anos a capivara era muito caçada pelo homem. Muitas pessoas apreciavam sua carne, semelhante à de porco. Aliás, o nome científico da capivara, hydrochoerus, em grego, significa porco d' água. Em 1988, a nova Constituição Federal do Brasil proibiu a caça de capivaras. Depois disso, o número delas começou a aumentar em toda parte.

Este animal é um roedor, como o coelho, e se reproduz muito. Uma fêmea pode ter até 8 filhotes, em um ano. Sua população está crescendo em progressão geométrica e pode se multiplicar por 5, a cada ano. Como se sabe, o número de carrapatos de um local varia, exponencialmente, em relação aos número de capivaras. Se elas se multiplicam por 5, os carrapatos se multiplicarão por 25. Nesta situação, as riquétsias, que já estão presentes em 24 cidades da região, aumentarão muito. Terceira conclusão: matemáticamente podemos prever uma epidemia de febre maculosa urbana em Campinas, e em outras cidades da região, mais cedo ou mais tarde. Quarta conclusão: para evitar esta vindoura epidemia é preciso retirar as capivaras de dentro das cidades.

Antonio Jofre de Vasconcelos é médico

(Artigo publicado na página A 3 do jornal "Correio Popular" de Campinas no dia 25/09/07.)

Saiba mais, procurando "doença das capivaras" e "febre maculosa urbana" na internet.

Seguidores